A violência contra negros e negras não se inicia nos dias atuais. Desde as primeiras invasões ao continente africano seguidas do tráfico negreiro, todas as formas de violência foram impostas pelas políticas de colonização. Manipulações às divergências étnicas com fins de promover guerras, estupro das mulheres africanas em África e no Brasil, negação das humanidades das populações negras, crueldade na comercialização e trato dispensado aos escravizados e às escravizadas em terras brasileiras, marcam a realidade dos africanos em África e na diáspora.
Denunciada por aqueles e aquelas vitimadas por maus tratos de toda ordem. Ocorreram lutas de resistência à escravização e genocídio imposto pelos detentores do poder.
Na atualidade, índices e dados oficiais retratam em números e percentuais não só a continuidade destas necropolíticas, expõem também o impacto sobre as vidas dos homens, mulheres, jovens e crianças negras, causado pelo silêncio e omissão do Estado brasileiro que apesar das legislações aprovadas persevera em suas práticas institucionalizadas contra a população negra num expressivo paradoxo.
Segundo o Atlas da Violência, de 2021, a taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior que entre não negras. Da mesma forma, as mulheres negras representaram 66,0% do total de mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 4,1, em comparação a taxa de 2,5 para mulheres não negras.
Fruto da luta e resistência da população negra os marcos legais objetivando a proteção e defesa da vida de todas e todos, sendo o crime de racismo imprescritível e inafiançável, ainda fica explícita a postura letal das polícias contra negros e negras, particularmente da juventude negra.
No Paraná, estado que se negou violenta e ostensivamente, até algum tempo atrás, a presença negra na composição de sua população, na atualidade se intensifica o genocídio e a perpetuação carcerária.
Dados do Infopen1, de 2017 a 2019 (Brasil, 2019), em que pese evidenciarem um decréscimo considerável da população carcerária em todo o Estado, demonstram um aumento vertiginoso de pessoas negras entre os(as) encarcerados(as). Se em 2017 as pessoas negras representavam 35,15% da população carcerária, esse percentual subiu para 40,86% em 2019, ao passo que a participação proporcional de autodeclarados(as) pretos(as) e pardas(as) na composição demográfica total do Estado do Paraná é de 28,5% (...). (Rita C. de Oliveira; Thiago de Azevedo P. Hoshino, p.1, s.d.)2
Simultaneamente as forças policiais atuam sob a justificativa de conduta suspeita, julgam e executam sumariamente, de forma arbitrária. Os dados comprovam tais premissas, conforme pode-se constatar.
Mortes em confrontos com policias 2015 a 2022
2015
247
2016
264
2017
275
2018
328
2019
307
2020
382
2021
416
2022
488
Fonte: Ministério Público do Paraná- 20233
A letalidade destes supostos confrontos é desproporcional quando se trata da população negra no Estado do Paraná, conforme um levantamento do Ministério Público do Estado do Paraná, por meio do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (NUPIER), quando afirma
1 O Infopen é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro. Disponível: https://dados.mj.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes- penitenciarias#:~:text=O%20Infopen%20%C3%A9%20um%20sistema,penais%20e%20a%20popula%C3% A7%C3%A3o%20prisional.> – Acesso em 19 ago 2023
2 Espaço da Ouvidoria: A cor do cárcere no Paraná.
Disponível: <https://www.defensoriapublica.pr.def.br/busca?termo=a-cor-do-carcere-no-parana> – Acesso: 19 ago 2023
3 Gaeco apresenta balanço das mortes ocorridas em confrontos com forças policiais no Paraná em 2022. Disponível:
<https://mppr.mp.br/Noticia/Gaeco-apresenta-balanco-das-mortes-ocorridas-em-confrontos-com- forcas-policiais-no- Parana#:~:text=O%20balan%C3%A7o%20%C3%A9%20do%20Grupo,416%20mortes%20em%20circunst
%C3%A2ncias%20semelhantes> – Acesso 19 ago 2022
(...) que embora a população negra corresponda a 28% dos residentes no Paraná, pessoas negras foram vítimas em 48% dos casos de morte em “confronto policial” no estado. As informações foram coletadas a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO). (Ministério Púbico do Paraná,2016, grifo nosso)4
Desta forma, nesta data emblemática, 24 de agosto de 2023, que marca os 141 anos do falecimento de Luiz Gama, um dos precursores do direito à justiça para negros e negras, manifestamos nossa indignação diante desta perversa realidade. Assim, vimos por deste MANIFESTO, exigir das autoridades responsáveis do Estado brasileiro e, em decorrência, do Estado paranaense ações de efetiva proteção às vidas negras e pelo fim da violência policial racista por meio de medidas para:
A garantia do nosso direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança em cumprimento ao Art. 5º da Constituição Federal de 1988.
A desmilitarização da Polícia Militar. O policial deve ser visto como verdadeiro cidadão, sujeito de direitos e deveres, e não como um soldado preparado para matar e morrer.
O uso obrigatório de Câmeras nos uniformes dos policiais
Formação para as corporações da polícia sob as diretrizes da Lei n. 10.639/03.
Discussão permanente com os Movimentos Sociais Negros e a Secretaria de Segurança Pública sobre a violência racial.
Que todos os Conselhos e Secretarias orientem suas ações a partir de diálogos com entidades do Movimento Negro, para o efetivo enfrentamento e combate ao racismo no Estado do Paraná.
A inclusão da obrigatoriedade dos marcadores de raça/cor, gênero, orientação sexual, religiosidade, entre outros marcadores, em todos os registros em fichas, formulários, prontuários oficiais do Estado do Paraná. E que os dados sejam analisados e apresentados de maneira qualitativa
4 Negros são menos de um terço da população paranaense, mas quase metade dos mortos em confronto com a polícia. Ministério Público do Paraná (2016). Disponível: https://mppr.mp.br/Noticia/Negros-sao-menos-de-um-terco-da-populacao-paranaense-mas-quase- metade-dos-mortos-em - Acesso em 19 ago 2023
e quantitativamente, bem como, sejam apresentados à população paranaense.
A criação de um Observatório de acompanhamento e monitoramento de todas as denúncias envolvendo o racismo e discriminação racial, em conjunto com Movimento Social Negro, Defensoria Pública do PR e Defensoria Pública da União, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público, Tribunal de Justiça do Paraná, Tribunal Regional do Trabalho e etc.
A criação de Delegacias especializadas em crimes raciais e intolerância religiosa.
Que o SOS Racismo seja estruturado de forma a assegurar o acolhimento e a orientação jurídica dos casos de racismo.
Através deste manifesto queremos ressaltar o nosso direito à vida. O direito à vida que nos foi presenteado e está sendo tirado. O racismo no Brasil impacta as vidas negras, tirando a nossa humanidade.
Portanto, nossos tambores continuarão sendo tocados, nossas caixas de som permanecerão vibrando e a nossa voz ecoando cada vez mais alto!
Curitiba, 23 de agosto de 2023.
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